Friday, October 02, 2015

o PM e Harry Potter

Minha primeira reação ao ler sobre o policial militar e dublador de Harry Potter, morto quando patrulhava uma comunidade, foi: que raios o dublador de Harry Potter estava fazendo de PM num tiroteio com bandidos. Por que ele era policial? Por que ele não se dedicava à profissão de dublador integralmente? Que louco, pensei.

Então, aos poucos, dei-me conta de como os policiais militares são desumanizados. A sociedade esquece que, por trás de cada PM, existe uma alma que sonha e deseja, que faz planos, que se aventura por outros territórios, que gosta de cantar, cozinhar, jogar futebol e de pescar, que leva os filhos ao cinema, que se irrita com os rumos políticos do país e que tem paixão por bichos de estimação. Alguns são vegetarianos, outros militantes dos direitos da mulher, outros ainda praticam yoga e meditação. Há os chatos que discutem todo assunto com exagerada veemência e há os que aprenderam a valorizar o silêncio. Muitos têm problema de colesterol, muitos outros se gabam de excelente saúde. E aqueles que fazem regime e querem convencer os outros a emagrecer também? E quantos já sonharam em ser ator e receber um Oscar? O soldado Caio Cesar Ignácio Cardoso de Melo, dublador de Harry Potter, deve tê-lo sonhado, enquanto assistia no cinema, cercado de familiares, à estreia do famoso bruxinho. Fechou os olhos por um instante e se viu na famosa premiação, recebendo o Oscar fictício de melhor dublador. Imaginem qual foi sua emoção; imaginem o orgulho dos parentes. Qualquer um de nós teria se emocionado, de maneira igual, numa estreia tão importante.

Esse texto não fala da violência que os policias sofrem no dia a dia. Esse texto fala da violência que eles sofrem por ninguém lhes enxergar a alma humana. A opinião pública os isolou numa categoria de estatística, em que um certo número de uma sigla impessoal (PM) morre anualmente em confronto. É preciso entender que, por trás da sigla PM, existe um ser humano. E, quando morre um ser humano, morre um sonho e morre uma esperança.

Espero que, um dia, possamos olhar para nossos policias militares e entender que são somente pessoas perseguindo objetivos, assim como todos nós; que ser policial seja uma escolha como tantas outras, entre médicos, advogados, professores, garis e jornalistas; que possamos entender, sem estranhamento, que o dublador de Harry Potter tenha escolhido ser um PM.

Alguns vão dizer que meu texto faz uma abordagem poética dos policiais. Eu respondo que o soldado Caio Cesar Ignácio Cardoso de Melo me mostrou que há poesia na polícia. Que somos todos apenas seres humanos, inseridos nos mais variados contextos, que convergem para uma só realidade, essa insana loucura social chamada Brasil. (fotos: internet)

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