Wednesday, December 30, 2015

fotografia e o Museu do Amanhã

sempre que surge uma nova atração numa cidade turística, estabelece-se um tipo de estudo coletivo que definirá qual será o ângulo fotográfico padrão daquela atração. esse ângulo, então, será exaustivamente repetido em guias e em livros sobre a cidade, sites de turismo e em cartões postais. antigamente, tal processo era lento, mas, agora, que tudo é instantâneo, promete-se um resultado a curto prazo.

um exemplo de ângulo padrão é o Pão de Açúcar visto a partir do Mirante Dona Marta. agora, acompanho, com curiosidade, as milhares de fotos que são postadas por profissionais e amadores apaixonados do Museu do Amanhã. qual será o ângulo padrão do museu?


Sunday, December 20, 2015

aborto

o que é contraditório na proibição do aborto é que as mulheres ricas vão fazê-lo em países onde o aborto é legalizado, enquanto as pobres morrem na mão de um açougue. e mais contraditório ainda é que a mulher rica, muitas vezes, faz o aborto por simples opção, enquanto a pobre é obrigada, devido à precária situação financeira.

Sunday, December 06, 2015

a menina que roubava livros

estive pensando no romance “A menina que roubava livros”. com tanta corrupção, a história de uma menina que rouba livros faz pensar. algum brasileiro consideraria a menina uma ladra? dificilmente. mas ela roubava, roubava livros.

roubar um livro é um movimento oposto à tudo que se vive no Brasil: no Brasil, o conhecimento não tem valor. um livro representa o conhecimento, e roubar algo sem valor carrega um ar de romântica inocência.

escolas sucateadas, pesquisas sem verba, universidades desmoronando e professores com salários humilhantes são alguns dos indicadores de como o Brasil trata o conhecimento. na verdade não o trata, mas o destrata de todas as maneiras possíveis e imagináveis.

o que isso tem a ver com o impeachment da Dilma? nada. também não tem a ver com a figura de Cunha, com o lamaçal da Samarco ou com a operação Lava Jato. uma menina que rouba um livro cai num terreno indefinido, longe da fúria que nos divide, nem preto nem branco, nem Deus nem o diabo. é impossível condená-la, e não se pode absolvê-la. é dessa neutralidade que transluz o imensurável valor do conhecimento: ele é de todos, por isso, não pode ser roubado.

o conhecimento é o elemento objetivo que mais se aproxima do amor. assim como o amor, o conhecimento dobra quando dividido. assim como o amor, o conhecimento traz bem-estar por onde passa. assim como o amor, o conhecimento (e agora parafraseio Gandhi) cura, nutre, une, entusiasma, faz nascer, alivia, materializa, motiva... possibilita a vida.

Friday, December 04, 2015

precisamos, finalmente, ser realistas

ontem, oito viciados em crack brigavam frente à portaria de meu prédio. liguei para a Guarda Municipal, disseram que eu precisava registrar uma ocorrência pelo 1746, desisti. começou a chover, eles se foram, provavelmente, para incomodar outra pessoa num local mais protegido. os viciados em crack me incomodam, pois não vejo qualquer possibilidade de solução. estão condenados.

lembro dos tempos em que o crack era proibido pelos traficantes cariocas. dizia-se que protegiam os viciados duma droga absurdamente destruidora. foi um tempo em que os traficantes, donos dos morros, carregavam o título de protetor. a sociedade do asfalto via-lhes um benefício, pois, supostamente, impediam assaltos nas redondezas. já nas comunidades, o benefício era a manutenção da ordem, através de punições a estupradores e a ladrões de galinha.

a lua de mel entre a sociedade e os traficantes terminou com o filme Tropa de Elite. evidente que não foi o filme o responsável pela mudança do paradigma, mas tratou-se de um catalizador, para que se enxergasse um problema óbvio. o filme expôs a realidade dos morros dominados pelo tráfico: a relação corrupta com parte da polícia e com algumas ONG’s, a exposição dos moradores a humilhações e a tiroteios, o aliciamento de menores e a guerra sangrenta entre diversas facções.

oito anos se passaram desde o lançamento de Tropa de Elite, e muita coisa mudou nos morros cariocas. criou-se as UPP’s, que afugentaram os traficantes e, durante alguns anos, reduziram a criminalidade nos morros e nas adjacências. a figura do menino de oito anos ostentando um fuzil foi banida para os subúrbios distantes. muita coisa mudou, mas tudo está igual.

em 2007, viciados em crack também ocupavam a calçada da minha rua. sumiram com a chegada das UPP’s, mas reapareceram. os tiroteios ocasionais também retornaram, antes entre traficantes, agora, entre policias das UPP'S e traficantes que voltaram ou tentam voltar. o comércio das drogas retornou de forma oculta. os moradores, que antes se queixavam de abusos por parte dos traficantes, hoje, queixam-se de violência praticada por alguns policiais. a presença do estado continua frágil nas comunidades carentes; embora houvesse alguns avanços iniciais, a sonhada integração entre asfalto e morro jamais ocorreu.

2007, ano do lançamento do filme Tropa de Elite, foi um ano de promessas otimistas. o Brasil foi selecionado para sediar a Copa do Mundo. o Rio de Janeiro oficializou a candidatura para sediar as Olimpíadas. os índices econômicos decolavam, a taxa de juros recuava a patamares recordes, o valor dos imóveis se aproximou ao dos países do primeiro mundo, o crédito era farto, o bolsa família operava milagres, a Petrobrás se transformava em símbolo da competência nacional e o PAC prometia um futuro dourado – dourado como o Urso de Ouro conquistado pelo próprio filme Tropa de Elite em Berlim.

hoje, quando olho para trás, percebo que nada piorou nos últimos anos, pois nada havia melhorado. somente havíamos aplicado uma maquiagem na maneira como enxergamos o Brasil, e a maquiagem derreteu. a Copa do Mundo foi uma grande ilusão, os índices econômicos refletiam apenas o otimismo da época, o alto valor dos imóveis era especulativo, o PAC uma promessa, o bolsa família um tapa-buraco, a Petrobrás um devaneio e o cinema brasileiro não conquistou o mundo. ninguém mais espera absolutamente nada das Olimpíadas, pelo contrário, o evento é visto como um compromisso incômodo que precisará ser cumprido. em 2007, víamos um futuro azul, agora acreditamos num futuro barrento como o lamaçal da Barragem de Mariana.

éramos otimistas, agora somos pessimistas;

precisamos, finalmente, ser realistas.