Thursday, June 15, 2017

a flor no deserto

Lá vou eu levar minhas pilhas coletadas para jogar fora, como sempre, no ponto de coleta do supermercado da esquina. Chego lá para descobrir que o estabelecimento não recolhe mais as pilhas.
Na mídia brasileira corre a indignação com o fato de que Trump deixou o acordo climático de Paris. Olho ao redor e penso que o acordo climático é o de menos perto do descaso generalizado com o meio ambiente no Brasil.
Nossos rios urbanos são valas de esgoto ao céu aberto. As baías perto de cidades são bacias de poluição. As pilhas e lâmpadas não tem descarte adequado. Nas praias, o lixo fica na areia. Nos mercados, as sacolas de plástico se multiplicam e multiplicam. A reciclagem é iniciativa de poucos. Tenho amigos, formados e estudados, que até hoje não separam o lixo reciclável, sob a desculpa de que "no meu prédio não tem coleta seletiva". Eu penso que reciclagem não é conforto, é consciência e dá trabalho.
Enquanto penso sobre tudo isso, três tiros são disparados na subida de uma favela perto de casa. Algumas pessoas se jogam no chão, assustadas, outras seguem como se tiro fosse parte inevitável da rotina. Eu, confesso, fiquei no grupo dos que se acostumaram, apenas apressei os passos, carregando minha sacola de pilhas ainda sem destino.
Pode haver conscientização ecológica enquanto não há paz? Seria a crônica agressão ao meio ambiente apenas outra face de nossa natureza violenta?
Lembro do desastre da Samarco e percebo minúscula minha iniciativa de preservar a natureza, ao descartar as pilhas de forma adequada. De noite, quando olho para o céu, percebo o quão minúsculo somos todos nós. Então, se for para comparar minhas ações com escalas de grandeza, é melhor sentar de baixo de uma árvore e esperar a vida passar. Do ponto de vista universal, tudo que se faz, por maior que seja na concepção humana, é um pingo no infinito.
Vou procurar por outro lugar para descartar as pilhas. Que a humanidade não desista perante as dificuldades de tentar fazer o que simplesmente é certo. O milagre está nos detalhes: na singela flor que sobrevive no deserto.
Encoraja pensar que, quanto maior for o deserto, maior é o milagre da flor solitária.

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