Saturday, May 28, 2016
Idade dos Anjos
Uma vez, quando muito jovem, quis me apaixonar. Foi numa tarde de primavera na colônia de férias. Os demais garotos participavam animados de uma partida de futebol, quando, na beira do campo, vi uma borboleta azul e quis me apaixonar. Fui a procura das meninas que brincavam de fazer louças de barro e não achei quem merecesse minha paixão. Desiludido, caminhei até um riacho próximo, para refletir sobre a vida. Foi quando encontrei uma linda princesa, sentada à beira d’água, chorando. Perguntei pela razão das lágrimas, e ela não soube explicar. Disse apenas que estava muito triste. Então, levantou-se e saiu correndo. No dia seguinte, retornei para casa e nunca mais ouvi falar da menina da beira do rio. Mas me apaixonei. E durante quatro anos pensei nela todas as noites antes de dormir. Hoje ainda lembro dela, consciente de tamanha ilusão. Queria vê-la novamente, na idade dos anjos.
Wednesday, May 25, 2016
Arte e o Governo
aos poucos, a Arte está retomando o lugar que lhe é
destinado: o de questionar o sistema. a lua de mel entre Arte e Governo
havia-se tornado tediosa. remetia aos tempos medievais, em que os artistas eram
marionetes da Igreja e dos poderosos senhores.
a grandeza da Arte está em tirar a sociedade da inércia.
a Arte deve sugerir incoerências onde o senso comum enxerga a perfeição. no
Brasil dos últimos anos, a classe artística havia, paradoxalmente, escolhido o
caminho oposto: apontava perfeição onde o senso comum percebia erros. ao invés
de propor o movimento, a Arte estava propondo a estagnação.
assim, a gritaria de “é golpe” me agrada. mostra que os
artistas estão retornando ao lugar que nunca deveriam ter deixado, à margem do
sistema. espero que a atual angústia dos artistas se reflita em obras
intrigantes, que possam nos levar a enxergar o mudo além das nossas convicções.
Sunday, May 15, 2016
a polêmica em torno da extinção do MinC
em meio ao alvoroço em torno da extinção do MinC, surge a
importante pergunta sobre qual foi o rumo da cultura, no Brasil, na última
década. afinal, o MinC foi tão perfeito assim? vejo dois extremos na dinâmica
cultural brasileira: de um lado, os projetos e os eventos executados a
partir de leis de incentivo fiscal; do outro, a decadência do patrimônio
cultural, como o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista e a Escola de Artes do
Parque Lage. mesmo pertencendo o Parque Lage à administração estadual, não seria
mais importante destinar verba pública federal à manutenção do espaço, ao invés
de direcioná-la, através de leis de incentivo fiscal, a shows de cantores
consagrados?
não existe, no Brasil, um projeto cultural; a manutenção
do patrimônio histórico é esporádica. em todo Brasil, há construções coloniais
caindo aos pedaços, e uma igreja precisa de sorte e de muitos pedidos de “por
favor” para ser reformada. não se percebe uma agenda cultural. o MinC se tornou
um grande carimbador de projetos de captação.
há cerca de dois anos, uma renomeada artista brasileira
teve grande exposição cancelada no MAM. o motivo: embora ela constasse na
agenda oficial das exposições, ela não conseguiu captar um patrocinador para a
exposição. que política cultural é essa em que o espaço público obriga o
artista a conseguir o patrocinador que, por sua vez, patrocinará a exposição
com verba pública? não seria mais interessante o Governo recolher os impostos e
direcioná-los ao Museu, para que o Museu tivesse total independência para
montar exposições?
no Brasil, o repasse de verbas para importantes espaços
culturais é abaixo do necessário. os museus federais, na maioria, sequer têm
verba para a manutenção do prédio e do acervo permanente. assim, curadores, artistas
e produtores culturais se estapeiam pelas verbas do incentivo fiscal, para a realização de exposições e de eventos. a disputa é grande, e quem vive das
artes tem uma difícil rotina financeira. quando defendem o MinC, não o defendem
por admiração. o defendem, pois temem que, sem o MinC, o cenário já difícil
possa se tornar insustentável.
a discussão apropriada, no momento, não seria
em torno da manutenção do MinC, mas em torno da reavaliação de toda a política
cultural brasileira. é inconcebível que a Escola de Artes do Parque Lage e o
Museu Nacional sofram com falta de verba, enquanto medalhões da música
brasileira recebem verba pública para realização de shows. é imoral que igrejas
coloniais caiam aos pedaços, enquanto livros e mais livros de importância
cultural questionável são financiados através de leis de incentivo fiscal.
por falar em livros, a Biblioteca Nacional é outra que vive a rotina da falta
de verba. de que adianta um país fomentar novos livros, se esse mesmo país não
disponibiliza verba para preservá-los na história? a gestão da cultura
brasileira é um grande contrassenso.
Wednesday, May 11, 2016
o peixe e a flor
escrever sem saber onde chegar. uma trilha de lugar algum
para o qualquerquês. palavras novas, pensamentos antigos. luz que ilumina os
tornozelos e deixa os pés nas sombras. o que é uma ideia? o que são cinco
peixinhos presos numa piscina natural? o fotógrafo quer registrá-los, o
pescador pescá-los. a criança primeiro se encanta, depois, torce pelo pescador.
perdem-se os peixes, fica o fundo de areia amarelada com cinco conchas vazias. alguém
avisa que os peixes não são comestíveis, o pescador responde que isso não
importa, o que importa é que pescou os peixes. que tal soltá-los, então? nem pensar,
vou levá-los prá turma do bar, sempre dizem que eu não sei pescar. no canteiro
brota uma florzinha desajeitada. torço para que nenhum rapaz enamorado a encontre,
pelo menos, por enquanto. desejo que antes possa perfumar o mundo.
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